CARTA AO CAMARADA FIDEL

Reproducimos a seguir esta carta publicada do blogue "Cravo de Avril"

CAMARADA FIDEL:

Li a tua carta na qual anuncias a decisão de não te candidatares ao cargo de Presidente do Conselho de Estado de Cuba. Decisão irrevogável, dizes, e explicas porquê.

E eu, que me habituei desde há muito a ouvir-te a palavra exacta no momento exacto, penso que também desta vez assim é.

Mas tenho pena que assim seja. E estou certo de que não sofro sozinho essa pena.

Sabes, melhor do que eu, que a tua doença preocupou – e preocupa – milhões de homens, mulheres e jovens em todo o mundo; milhões de pessoas que te têm como referência marcante das suas vidas; que guardam nas suas memórias, de forma imperecível, o teu contributo para a luta de libertação e emancipação dos povos, o teu exemplo de revolucionário digno, íntegro, vertical, de corpo inteiro.

Sabes, melhor do que eu, que construíste História – que, sem ti, sem a tua intervenção, sem o teu pensamento, sem o teu exemplo de lucidez, de coragem e de dignidade, a História teria sido diferente - e não apenas no que diz respeito a Cuba.

Sabes, melhor do que eu, que, na situação actual, a luta dos comunistas em qualquer parte do mundo é indissociável da experiência da Revolução cubana na perspectiva que, com a palavra exacta, no momento exacto definiste: «Revolução é sentido do momento histórico; é mudar tudo o que deve ser mudado; é igualdade e liberdade plenas; é ser tratado e tratar os demais como seres humanos: é emanciparmo-nos com os nossos próprios esforços; é desafiar as poderosas forças dominantes dentro e fora do âmbito social e nacional; é defender valores nos quais se crê seja qual for o sacrifício necessário; é modéstia, desinteresse, altruísmo, solidariedade e heroísmo; é lutar com audácia, inteligência e realismo; é não mentir jamais, nem violar princípios éticos; é convicção profunda de que não existe força no mundo capaz de esmagar a força da verdade e das ideias. Revolução é unidade, é independência, é lutar pelos nossos sonhos de justiça para Cuba e para o mundo, que é a base do nosso patriotismo, do nosso socialismo e do nosso internacionalismo.»

Sabes, melhor do que eu, que o papel singular que desempenhaste em todo o processo revolucionário cubano, desde Moncada até aos dias de hoje, constitui uma referência, um estímulo, uma fonte de inspiração para os revolucionários de todo o mundo.

Sabes, melhor do que eu, que nesses tempos longínquos de Moncada – em que caracterizaste com rigor cirúrgico o carácter da ditadura de Baptista e definiste a insurreição armada como a forma de luta decisiva para a derrubar – iniciaste uma caminhada revolucionária que ficará na história da humanidade como um dos seus momentos gloriosos.

Sabes, melhor do que eu, que da longínqua madrugada de 26 de Julho de 1953, os revolucionários de todo o mundo recordam com emoção o que disseste – a palavra exacta no momento exacto - aos 135 revolucionários que, contigo, iam dar o primeiro passo para o derrubamento da ditadura: «Camaradas: dentro de algumas horas, venceremos ou seremos vencidos. De qualquer forma, camaradas, o movimento triunfará. Se vencermos, alcançaremos mais depressa as aspirações de Marti; se formos vencidos, o nosso gesto servirá de exemplo para o povo de Cuba e ele empunhará a bandeira e seguirá em frente. O povo apoiar-nos-á no Oriente e em toda a Ilha. Camaradas, aqui, no Oriente, damos o primeiro grito de Pátria ou Morte, Venceremos!.»

Sabes, melhor do que eu, que desse tempo, guardamos nas nossas memórias esse texto notável – certamente a mais bela proclamação de rebeldia alguma vez produzida - que foi a tua defesa perante o tribunal fascista, onde, com a palavra exacta demonstraste, no momento exacto, o carácter ilegal, imoral, reaccionário, da ditadura; e fundamentaste a razão moral e jurídica da violência revolucionária face à situação; e explicaste a opção pelo caminho das armas; e concluíste que chegara o momento de substituir a arma da crítica pela crítica das armas; e proclamaste que «o direito à rebelião contra o despotismo está na própria raiz da nossa existência política»; e invocaste o direito à liquidação dos tiranos – sempre a palavra exacta no momento exacto, olhando de frente os juízes fascistas, convertendo os acusados em acusadores, desmascarando-os frontalmente como lacaios do Poder estabelecido, dizendo-lhes: «Condenai-me, não tem importância, a História me absolverá».

Sabes, melhor do que eu, todos os passos dados rumo à libertação de Cuba: aquele dia 25 de Novembro de 1956 em que, no Granma superlotado (no barco cabiam umas 25 pessoas e iam lá 82) partiste do México «rumo ao nascer do sol» - procurando levar o maior número de armas e não te preocupando, nem tu nem nenhum dos teus companheiros, com as provisões, cuja enunciação minuciosa leio sempre com lágrimas de comoção: «2000 laranjas, dois presuntos partidos às fatias, 48 latas de leite condensado, uma caixa de ovos, cem tabletes de chocolate e quatro quilos de pão».

Sabes, melhor do que eu, que mais importante do que as provisões era, para ti e para os que te acompanhavam a provisão das vossas fortes convicções revolucionárias, da vossa determinação inabalável, da vossa incomensurável coragem – e de uma muito grande confiança no apoio do povo de Cuba à vossa luta.

Sabes, melhor do que eu, que três anos depois, o povo cubano e os revolucionários de todo o mundo festejavam a vitória da Revolução, a tua entrada em Havana, o início da passagem a uma outra fase da longa caminhada.

Sabes, melhor do que eu, dos ataques de que Cuba foi alvo ao longo dos anos por parte dos sucessivos governos dos EUA: o criminoso bloqueio; os actos terroristas contra bens, equipamentos e pessoas, traduzidos nomeadamente na perda de mais de 3500 vidas humanas; a destruição de colheitas; as tentativas de invasão de Cuba; a intensa e feroz campanha mediática que, recorrendo às mais grosseiras provocações, falsidades e calúnias, é suporte essencial de todas as linhas da ofensiva imperialista contra a revolução cubana; enfim, o vale-tudo que caracteriza a prática do imperialismo norte-americano nas suas ofensivas contra os países e povos que, com dignidade, persistem na defesa da sua soberania e independência e, com dignidade, se recusam a enfileirar o rebanho de fiéis cumpridores das ordens emanadas dos bush’s de todas as épocas – um vale-tudo onde não faltaram as centenas de atentados contra a tua vida.

Sabes, melhor do que eu, da resistência vitoriosa da revolução cubana face à ofensiva que se seguiu ao desaparecimento da União Soviética, nesse tempo particularmente difícil para todos os partidos comunistas e de fragilização do movimento comunista internacional, com o desaparecimento ou descaracterização de vários partidos comunistas - mas também um tempo em que muitos outros partidos, como o Partido Comunista de Cuba – e como, deixa-me que te diga com orgulho, o meu Partido Comunista Português - resistiram, e assumiram e reafirmaram a sua identidade comunista, e proclamaram orgulhosamente que fomos, somos e seremos comunistas.

Sabes, melhor do que eu, desse tempo em que os coveiros de serviço proclamavam a morte do comunismo e a vitória definitiva do capitalismo e decretavam o desaparecimento de Cuba socialista: «é uma questão de dias»,: vaticinavam uns; «é uma questão de semanas»: prognosticavam outros; «é uma questão de meses»: garantiam terceiros – e que tu disseste a palavra exacta no momento exacto: resistir! E, assim, tu e o teu povo tornaram possível o que fora decretado como impossível: proclamaram a resistência e venceram.

Sabes, melhor do que eu, como essa vitória levou a esperança e a confiança a milhões de pessoas em todo o planeta, e foi um incentivo à continuação da luta, e mostrou a importância fundamental de lutar seja qual for a situação que se nos depare.

Sabes, melhor do que eu, da solidariedade internacionalista da revolução cubana com a luta de todos os povos do mundo:

- em Angola, onde os heróicos soldados cubanos destroçaram a ofensiva da África do Sul do apartheid conjugada com o imperialismo norte-americano e os fantoches da UNITA; e em vários outros países onde dezenas de milhares de médicos e professores cubanos, revolucionariamente, desenvolvem uma acção de elevado conteúdo civilizacional, levando os cuidados de saúde a milhões de pessoas que jamais haviam visto um médico, ensinando a ler milhões de analfabetos.

Sabes, melhor do que eu, que a ofensiva imperialista contra a revolução cubana vai prosseguir e intensificar-se e que o povo cubano vai continuar a viver momentos difíceis.

Mas – e essa é a questão crucial - sabes, melhor do que ninguém, que a determinação do teu povo de, com coragem e dignidade revolucionárias, continuar a resistir a essa ofensiva e a superar as suas consequências, constitui o dado mais relevante da situação cubana actual. E sabes, melhor do que ninguém, que a Revolução criou gerações de quadros revolucionários que prosseguirão a luta que tu iniciaste.

E por tudo isto, sabes, melhor do que ninguém, que o povo cubano está preparado para, 55 anos depois, repetir em uníssono o grito de Moncada.

E sabendo tudo isto melhor do que ninguém, sabes, camarada Fidel, quanto te devem o Partido, a Revolução, o Povo de Cuba, os revolucionários de todo o Planeta.

Sabes, por isso, que nos fazes muita falta, mas sabes que tudo o que nos deste é parte da nossa força, porque é património inalienável do nosso ideal comunista e da nossa determinação de lutar até à vitória final.

Camarada Fidel: em todo o mundo, milhões de homens, mulheres e jovens sentem como sua a revolução cubana e nela encontram os valores, os princípios, os objectivos da luta que travam todos os dias nos seus próprios países.

Alguém escreveu, que «a grandeza da revolução cubana pertence-nos a todos».

Se assim é – e é - tu, camarada Fidel, artífice maior dessa Revolução, pertences-nos, és nosso.

E serás sempre o nosso «Comandante en Chefe».

Até à vitória final.